segunda-feira, 17 de junho de 2013



Situação de aprendizagem
 Pausa de Moacyr Scliar

Objetivos: Apresentar estratégias de leitura que promovam o desenvolvimento de habilidades de leitura.


    
  1. Conteúdos previstos:

Traços característicos das narrativas, leitura oral de narrativas,  produção de  narrativas;
2. Competência e habilidades a serem desenvolvidas:

Reconhecer características da tipologia, comparar narrativas em diferentes gêneros; ouvir textos narrativos, produzir narrativas.     

3. Habilidades esperadas para que os alunos desenvolvam as tarefas:

-Produção de  narrativas com base em fatos retirados da realidade dos alunos; sondagem inicial com base no repertorio narrativo dos educandos
4. Seqüência das atividades de ensino e aprendizagem e avaliação:

Motivando a leitura:
Ativação de conhecimentos de mundo
Antes da leitura:
Levantamento de Hipóteses:

Oralidade:

- Apresentação no datashow do título. 
Exploração do título por meio de perguntas orais em uma Roda de Conversa:

- Esse título chama a atenção do leitor? Por quê?
- O que ele sugere?
- Pelo título dá para imaginar o assunto do texto?
- Quais situações vocês acham que o texto vai retratar?
- Qual o cenário?

Durante a leitura
Apresentação do texto no Datashow, exceto o final.




PAUSA

Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro. Fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
         —Vais sair de novo, Samuel?
Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.
         —Todos os domingos tu sais cedo – observou a mulher com azedume na voz.
         —Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente.
Ela olhou os sanduíches:
         —Por que não vens almoçar?
         —Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse a carga, Samuel pegou o chapéu:
         —Volto de noite.
As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.
Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé:
         —Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é? A gente...
         —Estou com pressa, seu Raul – atalhou Samuel.
         — Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre - Estendeu a chave.
Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade:
         —Aqui, meu bem! – uma gritou, e riu: um cacarejo curto.
Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta a chave. Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho: a um canto, uma bacia cheia d’água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira.
Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama, comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se fechou os olhos.
Dormir.
Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a move-se: os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos.
Um raio de sol filtrou-se pela cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido.
Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por um índio montado o cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue, molhando de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.

     Checagem de hipóteses

    Fazer comentários sobre as diferenças percebidas.
 Em pequenos grupos, pedir aos alunos que  criem o final  através de ilustração para apresentar aos colegas.
   
   Após a apresentação das ilustrações fazer a leitura do final do texto criado pelo autor.

Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, levou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.
Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista.
         — Já vai, seu Isidoro?
         —Já – disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio.
         —Até domingo que vem, seu Isidoro – disse o gerente.
         —Não sei se virei – respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caia.
         —O senhor diz isto, mas volta sempre – observou o homem, rindo.
Samuel saiu.
Ao longo dos cais, guiava lentamente. Parou um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.

(in: Alfredo Bosi, org. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 275)

Depois da Leitura
     - Que impressão o desfecho causou?
     - O texto correspondeu às expectativas levantadas pelo título?
     - O que mudou sobre a percepção do texto após a leitura?
     - Apareceu algum elemento surpresa?
     - Qual o assunto?
     - Quais personagens apareceram? Que recursos linguísticos o autor usou para realçá-las?
     - O autor fazia parte da situação narrada ou estava como observador?

   Recapitular os elementos da narrativa, com base na sondagem oral, percebendo essas características em diferentes gêneros que os alunos conhecem.

     Comparar  semelhanças e diferenças que apresentem os elementos da narrativa como fatores comuns a esse texto.

       Interpretação do texto Pausa de Moacyr Scliar - quadro síntese das características ;
       Intertextualidade com o poema “ STOP “ de Carlos Drummond de Andrade.
stop
a vida parou
ou foi o automóvel?


Pesquisa sobre a biografia e outros contos de Moacyr Scliar e socialização em sala de aula



       Moacyr Scliar

"Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que "baixa" no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente".


Moacyr Scliar





"Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que "baixa" no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente".


Moacyr Jaime Scliar nasceu em Porto Alegre (RS), no Bom Fim, bairro que até hoje reúne a comunidade judaica, a 23 de março de 1937, filho de José e Sara Scliar. Sua mãe, professora primária, foi quem o alfabetizou. Cursou, a partir de 1943, a Escola de Educação e Cultura, daquela cidade, conhecida como Colégio Iídiche. Transferiu-se, em 1948, para o Colégio Rosário, uma escola católica.

Em 1955, passou a cursar a faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), onde se formou em 1962. Em 1963, inicia sua vida como médico, fazendo residência em clínica médica. Trabalhou junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), daquela capital.

Publica seu primeiro livro, “Histórias de um Médico em Formação”, em 1962. A partir daí, não parou mais. São mais de 67 livros abrangendo o romance, a crônica, o conto, a literatura infantil, o ensaio, pelos quais recebeu inúmeros prêmios literários. Sua obra é marcada pelo flerte com o imaginário fantástico e pela investigação da tradição judaico-cristã. Algumas delas foram  publicadas na Inglaterra, Rússia, República Tcheca, Eslováquia, Suécia, Noruega, França, Alemanha, Israel, Estados Unidos, Holanda e Espanha e em Portugal, entre outros países.

Em 1965, casa-se com Judith Vivien Oliven.

Em 1968, publica o livro de contos "O Carnaval dos Animais", que o autor considera de fato sua primeira obra.

Especializa-se no campo da saúde pública como médico sanitarista. Inicia os trabalhos nessa área em 1969.

Em 1970, freqüenta curso de pós-graduação em medicina em Israel, sendo aprovado. Posteriormente, torna-se doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública.

Seu filho, Roberto, nasce em 1979.

A convite, torna-se professor visitante na Brown University (Departament of Portuguese and Brazilian Studies), em 1993, e na Universidade do Texas, em Austin.

Colabora com diversos dos principais meios de comunicação da mídia impressa (Folha de São Paulo e Zero Hora). Alguns de seus textos foram adaptados para o cinema, teatro e tevê.

Nos anos de 1993 e 1997, vai aos EUA como professor visitante no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University.

Em 31 de julho de 2003 foi eleito, por 35 dos 36 acadêmicos com direito a voto, para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31, ocupada até março de 2003 por Geraldo França de Lima. Tomou posse em 22 de outubro daquele ano, sendo recebido pelo poeta gaúcho Carlos Nejar.

O escritor faleceu no dia 27/02/2011, em Porto Alegre (RS), vítima de falência múltipla de órgãos. 



      5- Avaliação contínua: seleção de narrativas; produção de quadro síntese com características da tipologia narrativa” 
      6-  Expectativa de aprendizagem:
 Espera-se que o aluno seja capaz de produzir  narrativas, colocando em  funcionamento os elementos da tipologia.
     7- Instrumentos de avaliação:

         Fotografar cenas, criando a partir delas narrativas.       
         Produção de narrativas.
         Confecção de um mural com as  fotos e as narrativas produzidas.
     8-  Proposta de recuperação contínua:

Auto-correção das narrativas produzidas enfocando as características da tipologia (quadro síntese ) 

domingo, 9 de junho de 2013


 A Última Crônica

                    ( Fernando Sabino)



  A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café
  junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
                                     
        A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou
do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência,
   que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao
   episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de
esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico,
torno-me simples espectador e perco a noção do essencial.
Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o
verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último
poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar
     fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
                                    
                                    
     Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de
       sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha
de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas
curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres
  esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da
família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam
                   para algo mais que matar a fome.
                                    
       Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro
     que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom,
inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um
    pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando
 imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta
para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a
      reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu
 lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão
 apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho -- um bolo
    simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia
                             triangular.
                                    
        A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente.
Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e
      filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O
 pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os
                         observa além de mim.
                                    
       São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta
 caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola,
 o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto
ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra
 com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa.
    A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas
  e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura --
 ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de
    bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim,
      satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da
    celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se
encontram, ele se perturba, constrangido -- vacila, ameaça
abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se
                          abre num sorriso.
                                    
        Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura
              como esse sorriso.
                                    


Madame Bovary (1857), romance de Gustave Flaubert, constitui uma das maiores obras da estética realista da Literatura Francesa. O segredo desse sucesso está no estilo, que consiste na “perfeição da prosa e na maestria mais absoluta da arte de narrar”.
Esta obra ocupa uma posição central no gênero romance por vários motivos. Um deles é o fato de ter sido considerado uma leitura “indecente e corruptora” das mocinhas de família; outro motivo deve-se ao fato de o escritor ter sido processado pela Sexta Corte Correcional do Tribunal de Sena por tratar de um tema tão pecaminoso como o “adultério”. Fora absolvido pelos juízes, mas não pelos críticos puritanos.
O enredo de Madame Bovary impressiona pela simplicidade, e por tratar com bastante precisão a estupidez humana. A história começa descrevendo Charles Bovary quando entrou na escola e a algazarra que provocou nos alunos por possuir um chapéu ridículo, ser tímido, incompetente e insensível de grande inabilidade. Muitos críticos consideraram esta descrição inútil, enfadonha. Pode até ser cansativa, mas inútil não é: o ridículo do chapéu é o símbolo da estupidez de quem o usa. Assim, durante a narrativa aparecerá muitos outros chapéus ridículos, como o “boné grego” do farmacêutico Homais, o chapéu de castor do padre Bournisien e o chapéu elegante, mas já fora de moda de Rodolphe.
Emma, por sua vez, é a mocinha sonhadora, romântica, acreditando que suas leituras medíocres lhe contam sobre a felicidade proporcionada pelo amor. Esse mundo todo colorido de ilusões se desfaz tão logo se casa, para fugir da estreiteza da casa paterna, com o já então médico Charles Bovary. Um dia, num bailei no castelo do vizinho aristocrático Emma Bovary reaviva seus sonhos românticos, a que tão pouco responde o marido.
Depois disto, Emma cai na aventura com vários amantes. Primeiro, com Rodolphe, um tipo de Don Juan do campo, que logo a abandona. Depois com Léon, o jovem empregado de um advogado. Por esse ela perde o equilíbrio: contrai dívidas através de empréstimos que nunca poderá pagar. Desesperada e, acuada pela ganância dos credores, suicida-se.
Só depois de sua morte Charles Bovary descobre a verdade. Fica perturbado sem saber o que pensar. Não se vinga dos amantes, não toma nenhuma atitude. Perde tudo o que tem para saldar as dívidas. Depois morre, amargurado, deixando uma filha pequena que vai morar com a avó, que também morre. Para sobreviver, a tia manda-a trabalhar numa fábrica de tecidos. Uma história triste e, em parte, sórdida.
O romance se chama “Madame Bovary”. Se levarmos em conta o título, Emma Bovary seria sua “heroína”. No entanto, a narração começa e termina com o estúpido Charles Bovary; e nela desempenham um papel importante na trama o estúpido Don-juanismo de Rodolphe, a estúpida paixão de Léon, a estupidez do padre farisaico Bournisien e todo esse pequeno ambiente de província, que não deixa uma saída para Emma nem para ninguém. É por isso que Otto Maria, em seu ensaio sobre a obra, comenta com grande ênfase: “o verdadeiro personagem desse romance é a Estupidez humana”.

sábado, 8 de junho de 2013



 
 
Aurélia Camargo era uma moça pobre, tinha perdido o irmão e o pai; sua mãe, temendo morrer e abandonar a filha desamparada, insistia para que ela fosse ficar na janela pra ver se arrumava um casamento. Realizando tal desejo, conseguiu muitos admiradores e um grande e único amor, Fernando Rodrigues Seixas.
Fernando vivia com a mãe e duas irmãs, levavam uma vida pobre, pois viviam do aluguel de dois escravos, da costura e da pequena ajuda que Fernando dava com seu emprego público. Fernando estava apaixonado por Aurélia e decidiu pedir sua mão em casamento, porém logo mudou de ideia, pois sabia que casando com ela teria uma vida pobre e perderia sua liberdade, deixando assim de frequentar a sociedade.
Assim o romance se esfriou e o noivado foi rompido. Fernando resolveu se casar com Adelaide, pois receberia um dote de trinta mil contos de réis.
Neste mesmo período o avô paterno de Aurélia apareceu, mas faleceu logo em seguida, quase ao mesmo tempo em que sua mãe, no entanto seu avô lhe deixara sua rica herança. Aurélia tornou-se uma moça rica. Sua tutela foi entregue a seu tio Lemos, que havia cortado as relações com a mãe de Aurélia há tempos. Mas ela preferiu viver em uma casa com D. Firmina, uma amiga viúva que a tinha amparado quando ficara sozinha no mundo.
Fernando viajou para Recife na esperança de escapar do casamento. Com sua ausência, Adelaide se reaproximou de Dr. Torquato Ribeiro. Aurélia lhe havia devolvido cinquenta mil contos de réis que a muito lhe devia e assim o pai de Adelaide lhe consentiu a mão da filha. Quando Fernando voltou já estava livre do casamento, foi então que Lemos lhe propôs casar-se com uma moça em troca de um dote de cem mil contos de réis, ele acabou por aceitar e recebeu um adiantamento de vinte mil contos de réis, logo depois conheceu a moça, que era Aurélia. Alegrou-se, pois sempre a amara.
Fernando e Aurélia se casaram. No quarto de núpcias, quando Fernando se declarou, Aurélia friamente entregou-lhe o resto do dote e disse que ele a pertencia, afinal acabara de comprá-lo. Nessas condições passaram a viver um falso casamento, dormiam em quartos separados e sempre se tratavam intimamente com sarcasmo e ironia. Com o decorrer do tempo Fernando se dedicou ao trabalho de servidor público e Aurélia passou por um longo tempo se isolando de todos. Depois de tal isolamento dedicou-se a festas, visitas e pequenas reuniões contínuas.

Ao voltar de um baile quase houve uma reconciliação, no entanto ela não aconteceu. Então durante uma valsa, em um baile próprio, Aurélia desmaiou e acabaram sozinhos no quarto dela. Nesse momento quase houve novamente uma reconciliação, mas Fernando sem querer disse palavras que ofenderam a sua esposa. Voltaram para o baile, ainda vivendo de aparências. Quando o baile acabou cada um foi para seu quarto, Aurélia, baseando-se nos recentes acontecimentos, concluiu que Fernando realmente a amava, quase foi ao encontro dele, mas precisava ter certeza e abandonou assim a ideia.
Nos dias seguidos Fernando recebeu o dinheiro que havia ganhado através de um investimento, pediu para conversar com Aurélia. Após o jantar foram para o quarto dela, ele entregou a ela um cheque com o valor que ela havia pagado pelo dote e mais os outros vinte mil contos de réis, conquistados no trabalho na repartição e com o lucro do investimento. Declarou-se livre, pois havia lhe devolvido o dinheiro com o qual ela o havia comprado.

Considerando-se dois estranhos, despediram-se. Nesse momento Aurélia confessou todo o amor que tinha por Fernando, afirmou que sendo eles agora estranhos o passado havia sido esquecido e assim podiam viver o amor que sentiam. Fernando, ao ouvir tal confissão, beijou sua esposa e assim reconciliaram. Ele de repente hesitou, o dinheiro de Aurélia os impedia de se amarem, ela então pegou em uma gaveta um documento, tratava de seu testamento, no qual deixava tudo para Fernando. Nessas circunstâncias, uniram-se no “amor conjugal”.

quarta-feira, 5 de junho de 2013




Óculos de leitura: Palavras, palavras,palavras


Sírio Possenti


Se você é professor de português (ou linguista), certamente já ouviu uma das seguintes perguntas: a) a palavra “x” existe? Como se escreve a palavra “y”? Qual é a pronúncia correta da palavra “z”? Qual o sentido da palavra “w”? Se você não é nem professor de português nem linguista (e mesmo sendo), certamente também já fez alguma dessas perguntas, ou todas. A razão para sua ocorrência constante é que elas são as questões mais comuns que ocorrem aos falantes curiosos em relação às palavras ou às possíveis palavras de uma língua.
Em geral, espera-se que haja para essas perguntas uma resposta categórica, do tipo sim-não (tal palavra existe, tal palavra não existe) ou tipo “a” ou “b” (a escrita correta é tal, a pronúncia correta é tal, o sentido da palavra é esse e não aquele). Essas respostas são certamente as esperadas, mas, invariavelmente, repostas categóricas como essas são problemáticas. Pelo menos, são frequentemente problemáticas. Respostas mais adequadas são de natureza diferente, mais ou menos como as seguintes: a) Se tal palavra existe? Depende. Você não acabou de dizê-la? Ouviu de quem? Ou: que eu sabia, não. Ou: é usada em tal região, e em tal profissão. Ou: existe, é uma palavra francesa (ou inglesa, ou da língua tal e tal). A pronúncia? No sul ou norte? Neste século ou no passado? No Brasil ou em Portugal (na Inglaterra ou nos Estados Unidos)? Como se escreve? Veja no dicionário, mas saiba que sua grafia já foi outra. Você viu essa palavra escrita de forma estranha? Quer saber por que isso ocorre? Bem, uma grafia errada tem muitas vezes boas explicações. O sentido da palavra? Ih, meu, agora ficou difícil. Em geral, as palavras significam tantas coisas! Você já olhou num dicionário? Já notou que é difícil encontrar palavras com um sentido só? Nunca olhou? Faça uma experiência: comece bem no começo. Bem no começo mesmo, no “a”. Você verá que nem mesmo o “a” é uma coisa só. Descobrirá o óbvio: que o “a” pode ser uma letra, uma preposição, um artigo, uma conjunção, uma vogal.
Estamos (ou estivemos) muito acostumados a uma ideia normativa da língua. Ela seria imóvel, imutável, fixa. Seria, ainda, um código perfeito. Por isso, cada pergunta deveria ter uma resposta só, e correta desde sempre e para sempre. Mas a realidade não é assim. Isso só poderia valer para uma língua inventada (e que não funcionaria de jeito nenhum). As línguas costumam ter alguns aspectos rigidamente organizados e outros móveis e variáveis. O princípio vale também para as palavras. Às vezes, é muito difícil decidir se uma palavra existe, ter certeza de sua pronúncia-padrão, ou ter outras certezas, qualquer uma.
Faça testes com palavras como “obeso”, “bandeja”, “caranguejo” etc. E não se esqueça de discutir a pronúncia de “subsistir”, por favor. Para saber o sentido das palavras, frequentemente temos que saber em que contexto foram usadas. Há muitas coisas interessantes sobre as palavras, além de sua impossível uniformidade e bom comportamento, que fomos acostumados a procurar descobrir. Aliás, é muito interessante olhar para elas como se olha para outros fenômenos da natureza. É mais instigante querer saber como se comportam de fato no mundo (o mundo de uma língua é seu uso por muitos falantes bastante diferenciados em numerosos contextos), do que querer congelá-las numa redoma.
1. In: Sírio Possenti. A cor da língua e outras croniquinhas de linguista. Campinas: Mercado de Letras, 2001, pp. 125-126.

Filme Lindo !

Filme - Minhas tardes com Margueritte



Filme: Minhas tardes com Margueritte
Sinopse: Germain é um homem rude, praticamente analfabeto. Um dia, ao olhar os pombos na praça, ele encontra Margueritte, uma nonagenária que, apaixonada por literatura, passa, pouco a pouco, a lhe falar sobre livros e a recitar versos em voz alta. Os problemas existenciais comuns a ambos ¬— o abandono familiar e a solidão ¬— são amenizados pela poesia da palavra escrita, que passa por gêneros diversos, de romances de Albert Camus a dicionários. No final, Germain, que dissera um dia a Margueritte “Ler? Tentei uma vez e não deu muito certo”, descobre a alegria de aprender e se emocionar com os livros.
Ficha técnica:
Tempo de filme: 82 min.
Direção: Jean Becker
  • Gênero: drama
  • Nacionalidade: França
  • Distribuição: Imovision
  • Ano: 2010


Por que assistir? Vale a pena conhecer a história de uma grande amizade, entre uma culta senhora de 95 anos e um homem simplório, que nasce e se consolida pela magia da palavra escrita, nos livros e... nos dicionários.

Dica Literária


Resenha por Antonio Gil Neto

A borra do café, de Mario Benedetti, Editora Alfaguara
Nesse, ando pela metade. Vou e volto. Leio e releio trechos aqui e acolá. Talvez quisesse ter escrito este texto. Uma joia. Com saudade de algo maravilhoso que já aconteceu e ainda pode acontecer. Às vezes esqueço-o num canto e depois recomeço a ler um trecho que já li, inteiro-me do que já havia sentido e vou adiante. É mais um livro tocante. Parece uma conversa que se estende, tendo a infância como base. O personagem Cláudio percorre os bairros de Montevidéu, em sua iniciação adolescente, graças à mobilidade doméstica da família, que mudava de lugar constantemente. Penso que há toques de memória e invenção mesclados de ilusão e fantasia no que seria uma biografia. As palavras estão impregnadas de passado como se fossem a vida em si, em que se vive e que nunca se abandona. As lembranças da infância são surpresas habilidosas de lirismo e humor a quem se presenteia leituras: as brincadeiras de rua com os amigos, as constantes mudanças de bairro com a família, a trágica morte da mãe e a descoberta do amor e do sexo. São cotidianos singelos, transparentes, líricos, contados com uma poesia encrustada na obra narrativa. O livro para mim é cálido como uma manhã de primavera. Dessas que a gente precisa de quando em vez. Estou a ler no quando em vez para deixar a vida com frestas de manhã de sol. E de primavera. Pouco motivo?

 


" Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitua, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história."
Bill Gates

Experiências com a Leitura e Escrita



Algo para lembrar entre minhas lembranças


Iniciava-se mais um ano letivo naquela escola, que para ser sincera não lembro o nome e nem a aparência. Lembro-me apenas da dona Norma, minha professora do pré-primário: grande, corpulenta; de fala pausada, mas firme; de mãos grosseiras, mas para mim tão acolhedoras. Engraçado... remexo minhas lembranças e  recordo-me pouco de suas aulas, mas lembro-me muito de como sabia contar histórias e como com elas conseguia entreter até o mais inquieto.

 Depois dela outras vieram em outra escola, Anésia Sincora, subúrbio de São Paulo e das quais tenho apenas alguns flashes. A da primeira série fazia-me chorar. Quando comecei a escrever e ela descobriu que eu era canhota, mandou-me ficar com o braço esquerdo para trás o tempo todo e dizia que aquela mão não era para aquela serventia. A professora da segunda série vivia de licença e foram tantas que a substituíram que não consigo lembrar de nenhuma.
 A partir da terceira série sim, lembro-me muito bem da minha escola, Centro Educacional SESI-143, em Bariri, os cheiros, as cores, os sons reportam-me a uma época de boas lembranças. Lá conheci dona Marlene, nessa série só uma professora e um só livro para todas as matérias. As explicações eram repetidas inúmeras vezes e se alguém não entendesse, pacientemente, ela tornava  repeti-las.
 Na quarta série, dona Dirce lia muito para nós, lia se transportando e transportando-nos para um mágico mundo de sons melodiosos, pausas e ritmos. As palavras na sua leitura ganhavam vida e beleza.
 Esses momentos foram muito marcantes e continuam presentes em meu espírito. A experiência com a escrita não foi muito boa, mas as experiências com a leitura impregnaram de sentido meu cotidiano escolar, levaram - me a imitar minhas professoras, de forma mais ou menos consciente e até hoje sopram na minha cabeça